Questões que me atormentam...

Monday, November 06, 2006

Político é tudo ladrão. Como você e eu.

Contexto

Maio de 2004, após a explosão do escândalo de Valdomiro Diniz, assessor de José Dirceu no palácio do Planalto, Celso Pita foi preso na CPI do Banestado e documentos da Suíça comprovaram as já sabidas contas de Paulo Maluf, com milhões desviados da avenida Roberto Marinho e do Túnel Ayrton Senna.

No TRE, trabalhando no último dia do prazo para alistamento, vi um monte de gente colocando amigos para serem atendidos em detrimento de uma fila de 4 mil pessoas que esperavam debaixo do sol. Toda essa questão do texto me veio à mente novamente e bateu o estalo que finalmente de idéia começa a se transformar em ação : vou escrever sobre isso.



Texto...

Você pode não entender nada de política, ser daqueles que têm horror à palavra. Pode ser da turma que não entende nada do assunto (graaaande galera, que pena), mas se tiver capacidade ou paciência para falar durante cinco segundos do tema, certamente gastará esse tempo de cara fechada, voz rouca de ódio, num desabafo indignado, dizendo: político é tudo ladrão!

Como discordar? Você acordou com as contas de Valdomiro, tomou café com o dinheiro suiço do Maluf, almoça com Celso Pita preso e tenta dividir o resto do dia com Eurico, Jader, o eterno pessoal do orçamento e mais uma turma de encher quatro páginas. Ocorre, infelizmente, que quem fala assim quase sempre tá certo, mas raramente, muito raramente mesmo, tem direito de reclamar.

Como não tem direito? Vejamos...

A indignação causada por notícias de corrupção na política é uma dor que dá no coração quando a gente pensa que esse cidadão está ocupando um cargo para o qual foi eleito, com a obrigação cívica de representar seus eleitores e acaba fazendo um negócio desses, roubando, armando trambique, passando por cima das leis, tomando vantagem de sua posição em detrimento de outras pessoas, privilegiando seus interesses pessoais e violando o interesse coletivo. Enfim, cometendo uma série de interminável de absurdos. Só que, infelizmente, os mesmos absurdos que todo mundo faz no seu dia-a-dia!

O cidadão revoltado com as contas do Maluf carrega no bolso uma carteira de estudante do curso de inglês Brack Naight, que se existe ele não sabe onde fica. A mocinha que não aceita o prefeito da cidade empregando parentes é mesma caixa de banco que atende ao namorado pela lateral do caixa, diante de uma democrática fila (nada mais democrático que uma fila!). Dentre seus dez amigos mais próximos, quem não tem CD pirata? Quem não sonega imposto de renda? Nem que seja um pouquinho, aquele recibo ninja e tal? Quem nunca “conversou” um guarda para aliviar numa multa, ou pior, apelou para aquele peixe lá no departamento de trânsito, já que o guarda multou o carro em movimento, sem aquela prozinha cortês, “como é que a gente ajeita isso?”, “rapá, vamu resolver por aqui mermo, né não?”. Vai dizer que os programas do seu computador têm licença, tudo bonitinho?

O pior que acordar rodeado por políticos corruptos é perceber que eles são, na essência, a representações dos cidadãos que somos. Eles são os nossos mais verdadeiros e legítimos representantes. De uma gente que chama trambique de jeitinho, ladrão de esperto e que prefere se-dar-bem que ter sucesso (depois de ralar muito). Você fica por último no bar, com o dinheiro que a turma foi deixando, e quando percebe que deixaram uns poucos reais a mais, paga a conta sem contribuir e vai dormir sem a menor preocupação de devolver um realzinho para cada um que estava na mesa. Antes de deitar vê o deputado acusado de desvio de verba do orçamento e se revolta. A diferença dele para o cara do bar é o montante. Um teve acesso a unidades, se apropriou de unidades. Outro teve acesso a milhões e ficou com milhares. Respeitadas as proporções, foi até menos ladrão que o cara do bar, se é que existe menos ou mais ladrão.

Portanto, se suas esperanças de ver gente honesta na política estavam depositadas na ilusão de escolher as pessoas certas, lamento: vai morrer escolhendo e se revoltando. O caminho para esse quadro não está na urna, na seção eleitoral, de dois em dois anos. Está na sua casa, no ponto de ônibus, no seu trabalho, no seu futebol, na sua escola e na de seu filho, onde quer que você vá.

Não existe sociedade honesta governada por gente corrupta. Nem vice-versa. Nenhum dos dois dura mais que alguns anos. Quando a postura natural for a honestidade, o honesto se aproxima vertiginosamente do mínimo esperado e ser corrupto se torna pecado mortal. Já viu candidato dizendo “vote em mim, eu nunca bati na minha mãe”? Já leu outdoor de campanha com o lema “Fulaninho, esse não estupra criancinhas”? Ou no sentido contrário: “Cicrano, cheira cocaína diariamente, mas faz”. Claro que não. No primeiro caso, porque comportamentos que representam o obviamente correto para o padrão da cidade não servem de propaganda. No segundo, porque costumes que agridem violentamente a moral coletiva são inadmissíveis para qualquer homem público. Como a honestidade ainda é diferencial, da sala de aula no dia de prova até no seu joguinho de baralho do sábado, ser honesto dá propaganda e ser ladrão é admissível.

Um vôo rasante pelo mundo nos ensinará que grandes países não se fazem de grandes líderes, políticos ou heróis. Se fazem de grandes pessoas, pessoas comuns, que se batem pelas calçadas. Se a idéia é se livrar dos corruptos, o primeiro passo é a gente mudar de lado, deixando de ser. Fazendo assim, talvez dentre meus filhos eles serão minoria. Dentre meus netos, inadmissíveis.

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