Questões que me atormentam...

Sunday, December 14, 2008

Apresentação

Este espaço foi criado para publicar algumas manifestações em papel que tenho feito nos últimos anos. Após divulgar com amigos através de e-mails, recebi a recomendação de depositá-las num blog, para que fiquem acessíveis para mais gente, além de dar acesso a todos os textos para quem só recebeu alguns deles.Os textos estão publicados mais ou menos em ordem cronológica de criação (dos mais recentes para os mais antigos), sempre acompahados de uma seção "Contexto", que descreve o momento em que as idéias registradas surgiram na minha cabeça.Esteja à vontade nesse espaço, inclusive para não ler os textos. Mais à vontade ainda para emitir comentários, interagir e lançar mais questões para aumentar o meu prazeroso tormento.

Capital por um dia

Não há praticamente mais nada a se falar sobre o ciúme mútuo entre Campina Grande e João Pessoa. Tudo já se disse sobre o que cada cidade tem de muito mais que a outra e quem tem razão de se proclamar, sempre com sobra, o melhor lugar entre as duas.
Dentre os argumentos clássicos de cada banda, o título de capital é um golpe doloroso aplicado pelos pessoenses nos entreveiros com os nascidos na Borborema. É daqueles acachapantes, que deixa o rival sem um troco a altura, perdido entre "mas, mas, mas, mas ....".

De repente, 26 de outubro de 2008.

Nada acontece em nenhum outro metro quadrado desse estado hoje. Não há uma instância da sociedade civil que esteja operando em outro lugar, senão em Campina Grande. Por um dia, por apenas um, longo e delicioso dia de outubro, Campina Grande deixa de ser apenas extraordinária como cidade do interior, e passa a circundar a perfeição, se tornando a capital do estado.

O governo do estado está aqui, na pessoa do governador e todo o seu staff. As polícias, justiça e o exército têm sede aqui também hoje. Houvesse um rio perene nesse estado, cruzando Campina em algum lugar, e a marinha também estaria aqui, tenho certeza.

Os maiores sistemas de comunicação do estado e de fora da Paraíba se instalaram em estúdios improvisados, transmitido ininterruptamente os únicos fatos, do único lugar que pode trazer alguma atenção ao paraibano nesse dia, e cada um deles de algum recanto de Campina Grande. "Eu admiro esse espírito do campinense", "se todas as cidades fossem assim, a Paraíba seria outra", "que povo de uma verve impressionante", "todo campinense é superlativo, é apaixonado. Seja pela sua cidade, pelo seu time, pelas suas festas, pelo seu candidato, etc...", "o povo de Campina dá uma lição em cada esquina", "viemos preparados para cobrir uma guerra e encontramos uma festa". Entre essas e outras, os jornalistas visitantes se espantavam com tudo aquilo que para um nativo compunha um retrato bem acabado do óbvio.

No final do dia, os destinos do estado estarão decididos aqui. O projeto de político de todas as forças que regem o estado sofrerá um cheque-mate, publicado através do resultado da apuração. Quem se candidata a ser pujante, quem está ameaçado ao ostracismo, quem dará as cartas dos próximos jogos e quem terá a missão dolorosa de ressuscitar no cenário político. Campina Grande dará hoje todas estas respostas.

Assim como em 1808, quando a corte de Portugal se transferiu para o Rio de Janeiro, a transferência da corte do TRE para Campina definiu uma nova capital para o império paraibano. Por um dia, apenas. Um mero e curto dia de domingo, claro.

Claro que você não é nascido em Campina Grande, se definir esse dia assim. Porque se for, sabe: 26 de outubro de 2008 - O maior e melhor dia de domingo de todos os tempos!

Contexto

Segundo turno da eleição municipal de 2008. Vim de João Pessoal para trabalhar em Campina Grande, num domingo que, assim como o TRE, todos os aparelhos do Estado se instalaram na cidade para a realização de um pleito que prometia ser acirrado e tenso. Essas foram as minhas impressões do clima da cidade, acompanhadasde uma provocação típicamente campinense ;)

Sunday, August 10, 2008

“Eu não sou daqui. Eu não tenho nada...”*

Depois que vira adulto, a gente pode descrever a vida que viveu, construiu e está construindo através de um conjunto de decisões que tomou. Às vezes tomou de forma até displicente, em momentos que não tinha a menor noção do impacto que aquela opção escolhida teria daquele dia em diante em tudo que vivemos. Repare que dessa lista de decisões algumas são comuns a quase todo mundo, e a opção selecionada nesse tal questionário da vida define muito a personalidade de cada pessoa, o jeito de viver e o que hoje se chama comumente de perfil.

Ultimamente uma destas decisões tem reincidido nos meus momentos de devaneios, em que fico sozinho, mesmo que rodeado de gente, matutando a vida, nas decisões tomadas, nas opções escolhidas e nas que estão por vir. A decisão que tenho muito avaliado recentemente é aparentemente boba: qual a melhor opção, ir ou ficar?

A pergunta parece ser simples, mas a resposta e as conseqüências dela são enormes, gravíssimas e às vezes definitivas.

Ficar em sua terra ou ir morar fora, em busca de uma vida melhor, ou maior?

Eu tenho amigos que optaram por ir morar fora. Uns fora de suas cidades natais, outros fora do país. Uns estão fora há alguns meses, outros há alguns anos. Em comum, todos eles eventualmente, com mais ou menos freqüência, mais cedo ou mais tarde, acordam se perguntando se realmente vale a pena. Eles conhecem outras culturas, até falam outras línguas, alcançam uma condição econômica e qualidade de vida que certamente não teriam em suas cidades. Eles viajam para vários lugares, assistem a shows, eventos, espetáculos incríveis, alguns andam na rua tarde da noite e não precisam olhar de lado nem guardar o relógio, outros se batem na rua com grandes novidades que só vemos aqui pela TV. De certa forma eles encontram tudo que foram lá buscar, ou até mais que esperavam alcançar.

Mas o perturbador é que eles também carregam um buraco gigante que só poderia ser preenchido contraditoriamente com tudo “daquela vida vulgar” que eles levavam onde estavam, lááá longe, no meio de tudo de ruim, atrasado, provinciano ou restrito que eles fizeram questão de largar para trás. O buraco no coração deles só poderia ser preenchido com uma gargalhada escrachada, uma gentileza gratuita, um gesto de intimidade, uma paisagem ou rua específica, com o aconchego que só certos pequenos cheiros, vozes, pessoas e lugares poderiam preencher.

Eu tenho, por outro lado, muitos amigos que ficaram em suas terras natais, e mesmo com todo o chamego que estar em casa pode nos fornecer, em vez daquele enorme buraco da saudade, eles carregam no peito uma grande curiosidade, uma sensação de que está faltando, cenas que imaginam sempre de como seria morar fora, acordar em outra cultura, sentir zero grau no inverno, comer e fazer aquelas coisas incrivelmente diferentes que se come e adotar uma série de atitudes interessantes que seriam bizarrices aqui e banalidades lá. Eles tocam a vida com a incômoda dúvida se estão sendo pequenos, tacanhos, minúsculos diante de tudo que poderiam ser. São pessoas que têm capacidade, formação e oportunidade para morar em Salvador, São Paulo, Paris, Oxford ou Califórnia, mas resolveram ficar por ali, juntinho de sua gente.

Como em todas as decisões marcantes da vida, esta nos coloca aparentemente em uma encruzilhada. E dessa vez, com duas péssimas opções: ficar sendo “medíocre” ou ir para ser saudoso. De uma forma ou de outra, é estar condenado a ser incompleto. Perceba que para sair da encrenca, é preciso topar uma postura não muito simpática. Ou se assume que o cantinho onde nasci, os domingos com minha família e ver meus filhos convivendo com os primos é um mundo suficiente vasto e interessante para mim, ou se livra dos laços afetivos que trazia do berço, tornando suas principais referências e saudades em uma coisa menor, incapaz de fazer sua felicidade incompleta.

É ou não é uma dúvida cruel?

Como na música de Rita Lee, pode-se conseguir ficar livre daquela vida vulgar lá de casa e, no final, concluir que se tem tudo, só que “agora só falta você”. É ficar no apartamento confortável comendo filé mignon, ou sair nas madrugadas cantando, fazendo serenata como naquela música que diz “nós gatos já nascemos pobres, porém já nascemos livres”. É escolher de que lado vai ficar, seja daqueles que ficam como eu, ou dos que vão como o andarilho Ramon, na canção de Bráulio Tavares.

Parece que meu professor não estava brincando. O mundo é cruel mesmo.

Contexto

Por ser de Campina Grande e ter cursado universidade lá também, eu convivi com um grupo de pessoas cuja metade estava buscando formação e qualificação para em seguida ir para longe de casa, e outra metade já estava longe de casa adquirindo a formação superior. Essa disputa entre a saudade e a prosperidade tem me acompanhado até hoje, com experiências próprias em alternar períodos perto e longe “de mãe”, com Milena e as baianas que moram com a gente, com meus amigos agora formados, casados, pais e longe de casa, etc..

*Conta a lenda que morando em Londres e mesmo eventualmente acometido pelo deslumbre que uma mega metrópole exerce, Caetano Veloso estava tomado pela saudade de tudo que considerava seu, do micro mundo de onde tinha vindo. A forma que ele achou de traduzir essa falta foi cantando uma de suas memórias mais singelas, e que era ao mesmo tempo a maior de suas saudades: a risada de sua irmã mais velha, Irene.

“Eu não sou daqui, eu não tenho nada

Quero ver Irene, quero ver Irene

Dar sua risada”

(Caetano)

Tuesday, February 12, 2008

“Desenha um carneiro pra mim?”

“Filhos? melhor não tê-los! Mas se não tê-los, como sabê-los?”

Genial esse Vinícius. Genial de novo. Sempre achei o verso a síntese mais perfeita dessa dúvida que, pelo menos um dia, paira em toda cabeça adulta entre o Alasca e a Antártida.

A tradução em prosa dela eu passei a infância e adolescência ouvindo em casa: só quem tem filho é que sabe o que é ter filho. Isso pra mim sempre foi uma verdade cristalina, e baseado nela eu decidi que teria, porque com a vontade que tenho de experimentar a vida na maior amplitude e profundidade possíveis, não ter filho significaria abrir mão de quase a metade das experiências humanas disponíveis no planeta. Definitivamente, eu não ficaria sem uma fatia desse tamanho do tal negócio chamado viver.

Agora que tenho, ganhei uma nova certeza. Além de só quem sabe o que é ter filho é quem tenho, eu estou 110% convicto que só quem tem é que sabe o tamanho exato dessa verdade. Eu sabia disso na adolescência, mas acontece que agora o “eu sei disso” está multiplicado por pelo menos por cem. Eu vou tentar expressar a seguir como eu sei dessa verdade hoje. Pena que, ironicamente, não tenho dúvida que só quem tem filho vai conseguir captar exatamente o que estou contando.

Crianças passam por várias fases e cada uma é encantadora ao seu modo. Quanto mais ela consegue se comunicar, mais prazeroso se torna o processo de der pai, e além do mais que essa evolução da comunicação ocorre ao mesmo tempo da diminuição do trabalho físico que os pequenos lhe demandam. Ou seja, todo dia ele se torna um ser mais interativo e menos cansativo.

Então, com dois anos ele já fala e repete tudo que você pedir para ele repetir. Nesse momento eles são um brinquedinho maravilhoso. Você diz uma frase e ele prontamente pronuncia até com a mesma entonação que você falou. Daí você lança declarações de amor ao pai e ele, na hora, diz aquelas coisas lindas que, mesmo com essa forçada de barra, lhe fazem babar. Mandar eles dizerem palavrão então é uma delícia. Com a mais cândida das purezas, eles olham sorrindo e largam: “agora fodeu!”.

Foi nessa idade de dois anos, dois anos e pouco, que eu assisti ao Pequeno Príncipe com Antônio. Assisti e tomei uma séria de surpresas. A primeira delas é que daquela idade ele parou por quase duas horas na frente da tela para ver um musical, falado em português, mas cantado em inglês, em um formato completamente diferente dos desenhos animados que conseguiam prender a atenção dele por mais de dez minutos até então. A surpresa seguinte foi ele me pedir várias vezes dias depois para assistir ao “Pequeno Piiinpe”, em detrimento do arsenal de Relâmpago Macqueen e Backyardingans que ele já dispunha. Aquilo me renovou a fé na humanidade, sabe? Olha aí, ainda há quem prefira Saint-Exupéry em pleno 2008! E em plena fase do “papai-fala-eu-repito”, o Pequenorinha na porta do Príncipe continuou por alguns meses sucesso absoluto de bilheteria lá em casa.

O que eu não imaginava é que aquele filme faria uma marca definitiva na minha memória, para o resto da vida, pela forma inesquecível que Antônio migrou da frase “papai-fala-eu-repito” para a fase “agora-eu-tenho-frases-próprias”.

Um dia, eu estava deitado na cama com o controle remoto na mão, canal pra cima, canal pra baixo, quando apareceu uma figurinha na porta do quarto, com uma toalha de criança envolvendo o corpo, capus branco na cabeça, carregando um pedaço de pau na mão, uma cara muito tristonha e repetindo uma frase inicialmente incrompreensível: zenha nerinhamim, zenha nerinhamim, zenha nerinhoamim...

A minha inicial foi uma expressão de sorriso amarelo, misturado com “que porra é essa?”, onde eu fazia um esforço concentrado para traduzir aquela frase, como a gente faz em uma prova de listenning no curso de inglês.

Na quarta ou quinta vez que ele repetiu, finalmente eu saquei!

Em um estalo, aquela cena bizarra se transformou em uma das mais gostosas alegrias que senti nessa experiência de ser pai, De repente, eu captei que Antônio imitava uma cena marcante do Pequeno Príncipe, em que o príncipe loirinho aparece pela primeira vez, surgindo do nada no meio do deserto, pedindo repetidamente ao aviador acidentado: “desenha um carneirinho pra mim?” “desenha um carneirinho pra mim?” “desenha um carneirinho pra mim?”...

Ninguém pediu pra ele dizer aquilo. Foi a primeira frase “inventada” por Antônio. E como ela veio com performance, figurino e tudo, se tornou em um momento muito intenso e especial. Momento daqueles que por mais que eu tente detalhar, só quem tem filhos vai saber exatamente do que eu estou falando.

Agora, quem não tem, se chegar a ter um dia, pode estar certo que em uma hora qualquer, no meio de um dia banal, vai passar por alguma que vai fazê-lo sorrir, lembrar do poema de Vinícius e dizer:

Filho da mãe!

Contexto:

Isso aconteceu no meio do ano de 2007. Mas só agora parei para escrever.

Clique aqui para ver a cena citada no texto


Compra! Compra! Compra!

Eu me encontrava a uns milhares de kilômetros de casa, quando liguei para Mi dizendo que um evento que se repete cerca de duas ou três vezes por ano estava em pleno curso: eu estava muito tentado em fazer uma compra. A alegria que ela ouvia a narração era provavelmente pela raridade do fenômeno e, com aquela voz incisiva que ela sabe fazer pra botar pressão, gritava do outro lado da linha “Compra!”, a cada frase que eu falava . Eu morria de rir pelo entusiasmo dela e, mais que tudo, pela forma engraçadíssima de expressá-lo. E entre risadas de cá e gritos de lá, assim seguiu nosso diálogo, eu descrevia o troço que tinha visto e ela gritava “Compa! Compra! Compra!”.

Alguns meses se passaram e com a chegada do natal (que cada ano tem menos a ver com o nascimento de Cristo) eu começo a ouvir aquela voz gigantesca pairando na atmosfera, gritando de cima pra baixo, de maneira mil vezes mais coercitivamente que Milena , Coooooompra.... Coooooompra.... Coooooompra. Essa voz que me reporta a um livro de um italiano, sobre um tal do “Ócio produtivo”, que quando li eu cheguei à conclusão que o pessoal da ecologia pode desistir, porque esse planetinha não tem chance. Ele não emplaca mais um século de jeito nenhum.

O que o italiano descreve é um ciclo criado com a evolução do capitalismo que, em resumo, não tem outra, só para quando a terra estiver um deserto total. O capitalismo em sua evolução tem tido como característica motriz e intrínseca o desenvolvimento tecnológico. Ora, o que ele faz com esse desenvolvimento que alcança? Consegue produzir mais, em maior escala, em menor tempo. São revoluções em cima de revoluções, todas a serviço da engrenagem produtiva. O resultado disso é a necessidade constante de um esforço equivalente para criar consumidores para essa produção. Veja, por exemplo, a definição da atividade de Marketing, que a economia capitalista respira 24h por dia. A priori se confundia com propaganda, que dava visibilidade a um produto, de maneira que quem necessitava dele ficava sabendo que ele existia e partia para adquiri-lo. Com o aumento exponencial da produção, o bem produzido não pode mais esperar pela descoberta por parte do consumidor, por isso o Marketing não mais identifica necessidades para bolar produtos, o Marketing agora cria necessidades para que possam dar vazão ao que está sendo produzido.

Quando você se perguntar “como se vivia sem tv por assinatura?” ou “Como os pés aguentavam calçar aqueles tênis?” ou “O povo tinha carro sem air bag e sem freio ABS?!” ou “Como é que eu alguém podia passa sem MP3 player?” etc., a resposta é muito simples: eram muito felizes. Eles não tinham sido pegos pelo tal do Marketing. Só que agora, depois de pegos, a gente preciiiiisa disso.

Ou seja, essa produção desenfreada gerou a necessidade de criação de uma sociedade que consome sem freio também. Daí meu filho mais velho, que tem menos de três anos, não exita em expressar cada vontade que lhe dá na cabeça com a frase “vou comprar um qualquercoisadessa pra mim”. Já pensou? Com menos de três anos, já americanóide, ele captou que a solução para suas necessidades é comprar.

Perceba que chegamos a um degrau a menos na escala de grandeza da espécie. Descemos do topo do pódio quando deixamos de ser pessoas cuja razão de existir era SER (feliz, pai, mãe, doutor, culto, cristão, amado, inteligente, etc) e passamos a seres que vivem para TER(grana, posição, imóvel, carro, parafernalha eletrônica, etc.) De uns anos para cá, demos mais um salto pra baixo. A razão dos nossos dias agora não é mais ter, é o mero e efêmero momento de compra. Passado aquele momento, passado um pouco mais ou um pouco menos, dependendo do quanto aquilo está na moda, ou no máximo custou pra adquirir, o prazer de ter se esvai. Quer a prova?

Dê uma olhada dentro de casa, no guarda-roupa, na área de serviço, e veja quantas coisas estão amontoadas, completamente esquecidas, coisas que algum tempo atrás lhe deram enorme prazer de tê-las, ou pelo menos de comprá-las. Para cada uma delas, o que aconteceu foi um fenômeno que meu amigo Bruno descreve ironicamente como “o capitalismo lhe pegou!”. Chegou em casa com um troço que acabou de comprar e já está arrependido? O capitalismo lhe pegou, amigo. Entrou na padaria pra compra bolo e saiu com sorvete, pizza, pilha e chiclete que estava pendurado perto do caixa? O capitalismo lhe pegou. Não gostava ou precisava de algo, que lhe era indiferente e, de tanta gente ao seu lado usando, foi lhe dando vontade de ter um e agora está doido pra comprar? Hiiii, o capitalismo lhe pegou.

Se você reparar, todos os dias produtos, serviços, modas, itens candidatos a se tornarem indispensáveis estão pulando em cima da gente. Seja em comerciais hipinotizantes, em prateleiras de supermercado que praticamente jogam produtos em quem passa ou, claro, nas inúmeras pessoas que estão ao seu lado que já foram pegas e tentam lhe convencer de todas as formas que você precisa ser pego pelo capitalismo para ser feliz.

E ai daquele que tentar resistir. Eu tenho até pena desse coitado, porque tem só tem um destino pra ele: que é ser julgado e condenado pelo crime da resistência. Aí vai ter que andar por aí com um carimbo na testa dizendo solenemente “esse cara é um tremendo chato/esquisito/revoltado/radical/metido”.

Portanto, já sabe, certo? Neste natal não raciocine, não analise, não pense, não pondere, não pergunte se precisa, não calcule se pode, não bote dificuldades, não resista, pelo amor de deus não complique:

COMPRA! COMPRA! COMPRA!

Natal de 2007. Vi no jornal uma daquelas cenas de uma grande loja abrindo suas portas e sendo invadida por uma multidão ensandecida, que esperava desde a madrugada, como numa largade de maratona, correndo em direção aos produtos em promoção. Aquilo foi como um símbolo de uma espécie que pode ser tanto, mas que tem sido tão pouco. Como já de costume, peguei um monte de idéias que pairam no meu juízo resolvi registrar.

Estou ficando velho...

Uma das coisas mais chatas de ter irmão mais velho, principalmente quando são vários, é que nada que você vive, faz, curte, usa, etc., é bom. Nada presta. Tudo está piorado. No tempo deles era muito melhor...

Eles não passavam horas na frente da TV, não compravam carrinhos, não passavam férias dentro de casa, ou na calçada conversando com outros abestalhados como você. Eles sabiam fazer carrinhos de madeira, do zero, quebrando as caixas de tomate pra fazer a carroceria, rasgando a lata de óleo pra fazer a cabine, cortando sandálias havaianas (era coisa de pobre, naquele tempo) e batendo cada prego. Eles não queriam bicicleta. Faziam carrinho de rolimã e desciam aquela ladeira gigante, com muita adrenalina. De férias, eles iam para o sítio, construíram até uma casa numa árvore! Brincavam de guerra de estilingue (balieira, antigamente) e tudo mais. Por mais que você se achasse moleque, se comparasse com a infância que eles tiveram, sempre acabaria se sentindo um bobão, menino-criado-com-vó ou, pra resumir, um leso.

Quando você começa a gostar de futebol, eles têm as histórias dos times que jogaram, das vezes que pisaram no gramado do Amigão, do time maravilhoso do 13, com João Paulo de centroavante, ou do time de Zé Pinheiro, hexacampeão. Eles viram Pelé jogar, lembravam quando o Brasil foi campeão do mundo e conheciam a escalação do Internacional de Falcão e Batista decorada.

Se considerar uma aventura uma viagem que fez, é muita empolgação, porque eles já foram muito mais longe, muito mais vezes, e de carona. Se achar que vence dificuldades no dia-a-dia, é pura manha, porque eles passaram de tudo para chegar onde estão, enquanto você tem uma vida mansa e ainda se cansa e reclama.

Chega a hora de consumir um pouco de cultura, como música e cinema e tudo se repete. Que música é essa?! Eles não escutavam música, faziam. Tinham um grupo de samba, cujo repertório era de qualidade infinitamente melhor que o barulho que você gosta e escuta. Os filmes agora são só mentiras e explosões, não tem clássicos, grandes personagens, não durarão nem uma década, enquanto no tempo deles eram eternos, como E o Vento Levou, Ben Hur, 2001- Uma Odisséia no Espaço e A Lagoa Azul. Ouvir rock e gostar de filmes de ação é coisa para gente sem cultura.

Com essa convivência, a gente tem a impressão que a geração anterior era feita por pessoas muito mais inteligentes e interessantes que a nossa. Como se em dez ou quinze anos o mundo que restou para a turma mais jovem tivesse ficado burro e chato, porque tudo que os atuais habitantes fazem ou é chato ou coisa de gente burra.

Aí é que está o problema! Não sei se é problema, mas é aí que está. Eu olho para os meus sobrinhos e amigos deles, dez ou quinze anos mais jovens que eu e, com raras exceções, e acho um povinho burro, que leva uma vida chata da porra.

Primeiro, eles não consomem música, são consumidos por elas. As rádios FM e os programas de auditório na TV determinam com extrema facilidade tudo que eles vão gostar e cantarolar nos próximos meses. Nunca vi uma adolescente desse escolhendo uma música. Descobrindo um som que ninguém conhece e se interessando por ele. Tudo que eles conhecem e gostam é sucesso. Isso que dizer, pelos padrões atuais, que alguém pagou uma grana à Rádio ou à TV para aquilo tocar, se tornar conhecido e ser do gosto do adolescente.

Segundo, e mais grave, eles não lêem. Não lêem e ponto. Não é que não leiam romances muito longos, ou não leiam clássicos da literatura muito densos, ou não leiam revistas sobre qualquer área, ou jornalísticas de publicação nacional. Eles simplesmente não lêem nada! Só legenda de filme, e se for comédia romântica.

Eles nunca foram ao teatro. Não sabem nem quando tem alguma atração chegando, ou evento mais empolgante no único teatro da cidade.

Eles não discutem política, não se interessam por nada que está acontecendo ao seu redor, não são contra ou a favor nenhuma decisão ou opinião que determine os rumos do mundo, do país, da cidade, ou da sua rua. Não são capitalistas, comunistas, liberais, socialistas nem sociais-democratas. Isso soa palavrões para o vocabulário deles.

Nunca passou pelas cabeças deles mudar o mundo. A rigor eles não têm noção de como o mundo está, imagine querer fazê-lo diferente.

É incrível como a quantidade de informação a que eles têm acesso é centena de vezes maior das pessoas que tinham aquela idade quinze anos atrás e, paradoxalmente, essa enxurrada de informação parece fazer com que eles não se foquem em nada, e fiquem simplesmente abrindo a boca e engolindo, sem pensar, como meu filho de dois anos toma uma sopa. São TVs com cem canais, Rádios com dezenas de emissoras e Internet com milhões de sites. Parece que para se livrar da confusão desse oceano, o adolesce se agarra no site do Orkut, no canal da Globo e na FM de mais sucesso (empurrando os livros para longe, claro).

Diante de tudo isso, posso concluir que estou é ficando velho mesmo. Que não passo de um irmão mais velho, que está olhando para os mais jovens com aquela mesma indignação e desdém que meus irmãos me olhavam anos atrás.

Tomara!

Senão eu vou ter que concluir que meu mundinho de classe média está ficando um lugar muito chato mesmo, habitado por gente cada vez mais burra e menos interessante.

Contexto

Primeiro semesre de 2007, não lembro bem a data. Um dia que devo ter amanhecido "com os pés pra trás", perdi a paciência com superficialide de meninos e meninas de classe médias, colégios famosos da cidade e carinhas bonitas que me rondam e resolvi registrar.

Friday, August 24, 2007

André Ariano

Texto...

Exatamente dois anos e seis meses depois de ter nascido de novo, lá estava eu para mais um parto. Exatamente como eu imaginava, estava acompanhado de uma trupe de Oliveiras que dava uma sensação de conforto absurda para quem estava vivendo um momento que cabia muita ansiedade, angústia e apreensão. O fato de estar em casa, vendo Mi assistida por uma grande amiga, fazia do nascimento de André um passeio delicioso.

Quando surgiu nas mãos de doutora Salete, o moleque mostrou a parte ítalo-bahiana do sangue e deu um berro que fez tremer as paredes do centro cirúrgico. Depois limpinho nas mão de Dra Denise, pudemos constatar que André era perfeito como eu tanto queria, lindo como Milena dizia e muito, muito, mais parecido com Antônio que a gente poderia imaginar. Pela primeira vez desde a notícia da gravidez, eu senti uma sensação tão forte ou até mais intensa que da primeira vez que passei por aqueles minutinhos mágicos. Além das lágrimas nos olhos e a moleza nas pernas, eu tinha no coração uma noção muito clara da razão para estar vivo, do que realmente importa na vida. Ser pai pela segunda vez me dava uma sensação de super-herói deliciosa, como aquele jogador que faz o gol consagrador e em êxtase corre para torcida batendo no peito e repetindo: “eu sou foda!”.

Têm sido inevitável repetidas comparações entre as coisas que estamos vivendo agora e tudo aquilo que a gente viveu na primeira vez que passou por toda essa aventura da nova cria. A grande diferença é como sexo e amor naquela música de Rita Lee: O primeiro filho é poesia, o segundo é prosa. O primeiro é paixão, o segundo é amor... e por aí vai. Tudo que a gente tem vivido em relação a André é mais sereno, mais calmo, mais sob controle. Ao contrário do que eu projetava, isso não torna a experiência menos especial, ou menos intensa. É muito forte e gostoso, entretanto é também tudo muito mais tranquilo. Eu comparo a diferença entre a primeira paixão e o amor definitivo, aquele que você vai envelhecer com ele. Os dois são muito fortes, só que o segundo você tem muito mais respostas que perguntas, e mesmo a eventual falta de resposta não lhe aflige. Curtir a chegada de André tem sido assim, muito contemplativo, mesmo com as madrugadas animadas, todas as dores de Mi e o cuidado adicional com Antônio. Além da experiência, o fato de estarmos na nossa casa, equipe de apoio completa, com tudo arrumadinho tem deixado o processo controlável. Numa definição nerd, eu apostaria que no terceiro filho a gente consegue um selo ISO, de tão organizado que está o negócio.

A sensação mais nova que tem me batido é de certa forma a mais chata de admitir: a chegada de André decretou minha maturidade definitiva. É como um ingresso sem volta no mundo dos adultos, já que agora sim eu sou, de maneira irreversível, um pai de família. Eu lembro que minha amiga Silvia questionava se quando a gente tiver segundo filho, as pessoas passariam a nos perguntar “a aí, quando é que morre?”. Segundo ela, esse processo começava com “quando é que casa?”, seguia com “e então, o herdeiro vem quando?” e terminava com “e outro?”. Ou seja, segundo esse rito, eu já fiz tudo que se espera de alguém na vida. Não sei quanto tempo isso vai durar até que me bata aquela vontade descrontolada de fazer alguma prezepada, mas no momento estou assim, muito plantado, senhor de si, cheio de responsabilidades para com a vida. Tomara que passe logo.

Tem uma parte muito engraçada do processo atual. É que Antônio, de repente, ficou um gênio, gigatesco e adulto para mim. Como passo muitas horas tirando cocô daquela micro fralda de André, dou banho e troco roupa pegando naquelas perninhas que parecem gravetos, quando Antônio aparece me abraçando as pernas, conversando, pesando aquilo tudo, dá a impressão que pra ele se passaram 15 anos. O póbi de André fica muito lesinho perto do irmão. Imagine um que só se comunica pra informar aos berros que está puto, com fome, cagado ou mijado, e outro que conta histórias que começam com “era uma vez” e de vez em quando faz chantagem do tipo “eu estou muito tiste, você não é mais meu amigo”. É como ter na sala um Atari ao lado de um play station 3. É uma comparação muito cruel. Com todos os avisos que recebemos, ainda assim corremos o risco de negligenciar um pouco o mais velho, já que de repente ele parece um ser grande, que “se garante”.

No meio disso tudo, eu só quero que André cresça com a gente, encantando e ensinando mais sobre a vida. Que esse novo pacto que, naturalmente, se reedita entre mim e a mãe dele perdure e se torne mais firme ainda. Que a gente esteja formando lá em casa um pequeno mas poderoso exercito de pessoas de bem, que lutará nas coisas mais simples por dias melhores, mais justos, mais fraternos. Assim como a chegada de André conseguiu reascender o que há de melhor dentro de mim, que a permanência dele por aqui faça com que eu possa repassar tudo isso, devolvendo pra ele, que é a maior inspiração do momento (Antônio ainda não sabe ler, ufa!).

Então é isso. Lembra daquele ponto, branco, lindo, numa mancha escura? Taí, André é o seguinte: dois pontos.

Contexto

15 de Agosto de 2007. Nasceu na CLIPSI em Campina Grande um paraibano arretado, ainda mais agora, que ganhou nome de um paraibano arretado demais.

Tuesday, July 17, 2007

"Deixa o bichinho..."

Texto

Um dia, quando era professor de faculdades particulares, fui chamado à sala da coordenação para, mais uma vez, tratar de queixas apresentadas por alunos, que sempre rondavam a severidade, excesso de exigência, intransigência e outras características que me definiam nos corredores. O que poderia ser mais uma das dezenas de conversas iguais, onde era obrigado a explicar (imagine!) que o aluno precisava fazer alguma parte do esforço no processo de aprendizado, foi na verdade um divisor de águas. Naquele dia reconheci minha impotência total na tentativa de passar formação àqueles jovens.

O aluno tinha tirado zero no trabalho, por ter copiado conteúdo integral da Internet, sem referência alguma, sem aspas, assumindo como se fosse seu. Na correção do trabalho, eu havia anotado o site de onde viera o conteúdo e posto a única nota a que ele fazia jus.

Com quase trinta anos de idade, aquele aluno se fazia acompanhar pelo pai, que indignado me argumentava que zero é para quem não fez nada. O filho teria feito alguma coisa, e merecia uma nota baixa, mas zero era resultado da perseguição que eu viria fazendo ao aluno, etc, etc...

Caiu um raio na minha cabeça, naquela hora. Eu precisei de alguns segundos para manter o prumo e montar um discurso que tentasse fazer contato com aquele planeta estranho em que aquelas pessoas viviam. Quando consegui aterrissar, expliquei didaticamente, com muita calma e resignação, que de fato o rapaz tinha feito alguma coisa. Tinha cometido um crime, previsto e tipificado no código penal como plágio e violação de direito autoral, com pena prevista de multa e cadeia de até um ano e meio em caso de reincidência.

Aquele cenário me ensinou muito claramente que eu lutava por uma missão impossível. Como poderia tentar dar formação a um cara, cujo pai larga suas atividades para resolver um problema acadêmico de um marmanjo barbado, e vem à escola defender indignado um ato de absoluta desonestidade? Um crime? Nem com trilha sonora do Metálica e Tom Cruise de protagonista dá para passar formação para um cara desses.

É isso que me remete à minha trincheira. Ao que chamo de meu bunker. O lugar onde me armo e me posiciono com todas as forças que tenho para resistir aos ataques maciços desses invasores muito poderosos e perigosos. As paredes da minha casa são como meu campo de batalha, onde travo a guerra entre o que quero deixar para meus meninos e o que o mundinho lá de fora insiste em impor. Um mundinho feito em cima de desejos compulsivos de compra, um império absoluto da beleza (não interessa o que significa, o importante é que seja bonito) e uma aversão ao raciocínio independente, individual, pessoal e intransferível.

Como diz Luiz de Sena, o mundo está troncho. Todo mundo concorda com isso. Daí quando me perguntam, com ar de censura, se eu quero mudar o mundo, eu respondo com outra pergunta: por que? Você está gostando do jeito que ele está? Então, depois que entendi que o mundo não se muda de cima do palanque, mas sim na mesa de jantar, na reunião de trabalho, no ponto do ônibus, etc... tenho dado muito mais importância às coisas que a maioria, por um jeito muito latino de ser, costuma deixar pra lá. E reconheço em experiências terríveis quase todos os dias situações extremas que vieram a acontecer, tiveram aquele desfeche, simplesmente porque láááááá atrás alguém não tomou uma atitude, não se posicionou, e resolveu deixar para lá.

Veja esses crimes que dão enorme repercussão, porque meninos de classe média estão envolvidos. Onde nascem esses bandidos bem nutridos, lindinhos, com cara de coluna social? Nascem dos “deixa para lá” que eles encontraram na vida. Quando resolveram que não iriam à escola hoje. Quando não tiraram notas boas pela primeira vez. Quando foram pegos na primeira mentira. Quando se esquivaram das primeiras responsabilidades que lhe foram atribuídas. Quando aos 12 anos de idade, aos gritos, tratou o pai ou a mãe como um coleguinha da rua. Alguém deixou isso pra lá, e agora chora nos corredores de delegacia se perguntando o que fez para merecer isso.Na verdade não foi o que fez. Foi exatamente o que não fez que deixou as coisas chegarem àquele extremo. Seja qual for a razão para não ter feito, já que hoje leva-se uma vida que assumir a postura de nunca “deixar pra lá” é quase um ato heróico. Com as inúmeras horas de trabalho, a competitividade eterna, o corre-corre para manter uma vida de classe média, chegar morto em casa, doido por um banho e uma cama, e se depara com um filho empombando para comer chocolate no lugar da janta, dá uma vontade gigante de deixar pra lá. Mas como em quase tudo que experimentei na vida até agora, o caminho mais fácil nunca é o mais correto.

É preciso ser Caxias mesmo, ser cri-cri, levar na ponta da faca as coisas dentro de casa, porque a coerção externa é grande demais (para não dizer “foda!”). Eu tenho consciência que com toda a dedicação e militância por valores mais humanos, meus hábitos corriqueiros de consumir cultura, falar sobre política, prezar muito por decência, honestidade, simplicidade e não me importar muito para aquelas verdades e padrões, que quase todo mundo quer provar que é verdade só porque é padrão, etc.., mesmo assim, daqui a alguns anos, eu posso olhar para um dos meus filhos e, inconsolável, me perguntar : como é que uma porra dessa pode ser meu filho? Porque as tais dedicação e militância talvez sejam bastante apenas para empatar com o que eles viram na tv, aprenderam com os amigos da escola, ou na turma do bairro. Agora, e se eu não me entrincheirar? Aí amigo, é derrota de goleada. Tenha certeza que o moleque vai ser o que nos dias de hoje equivaleria a um ouvinte de forró de plástico, pegador marombado, daqueles que passa a semana se planejando para “bombar na balada” e que se conhecer Ariano Suassuna, tem certeza que ele é pernambucano.

Eu tenho buscado sabedoria para não deixar para lá coisinhas importantes e, ao mesmo tempo, não me tornar um cara chato demais, que pareça pedante, mais profundo, mais humano ou mais correto que todo mundo. Tenho a impressão que os anos têm aos poucos me ensinado esse meio termo. Espero muito que um dia acabe aprendendo fazer esse balanço, porque, definitivamente, deixar para lá eu não consigo e nem quero tentar.

Eu posso até perder para a pressão que o mundinho exerce da porta para fora. Mas ele tenha certeza que eu vou vender essa derrota caríssima.

É possível também que eu não consiga modificar o mundo, fazendo-o deixar de ser um lugar tão escroto como é. Mas o direito de não me sentir cúmplice dessa escrotidão... ah, desse eu não abro mão.


Contexto

Vendo crimes cometidos por filhinhos de papai, principalmente em grandes cidades, me bateu uma reflexão sobre o pedaço dos pais que tem/falta em cada filho desse. Daí renovei a convicção que o tal do educar (de verdade) é uma missão para pelo menos tropas de elite. Quem não estiver disposto, faça um favor a esse planeta: naaaaaada de filhos, tá bom?



Monday, May 28, 2007

Teatro e mágico

Texto...

Eu costumo eleger dentre as características que fazem do teatro um tipo de programa especial, bem mais interessante que cinema, por exemplo, a maior possibilidade de entrar no espetáculo uma pessoa e sair outra. Com algo a mais. Sabendo mais, sentido mais, vendo o mundo diferente, ou vendo algo diferente no mundo. Portanto, toda vez que saio de casa para ir ao teatro, já levo comigo uma expectativa de ser surpreendido, de me deparar com algo que me faça franzir a testa, e com um sorriso na cara perguntar: que porra é essa?

Foi assim que saí ontem rumo ao teatro, como sempre em cima da hora. Eu me julgava prevenido e ao mesmo tempo muito afim de ser surpreendido.

Esse espetáculo já tinha sido comentado por minha sobrinha, da forma superlativa, empolgada, frenesi-total, que ele costuma falar sobre qualquer coisa que goste, que esteja envolvida ou fazendo. Então eu dei o desconto em todo aquele chilique Rebequeano e me sentei em um teatro lotado, predominantemente por gente com idade dos meus sobrinhos, para assistir a um show que prometia ser bom.

Já na primeira música eu estava com um sorriso gigante aberto, muito feliz e emocionado com tudo que acontecia de uma vez, e isso ainda eram os primeiros minutos do show.

A abertura com uma poesia declamada, super singela, linda e do bem, como seria toda a mensagem composta nas canções e falas seguintes. A música de muito boa qualidade, apesar de harmonicamente simples, era muito bem executada, com elementos como violino, gaita, flauta e tambor de maracatu, tudo perfeitamente misturado a instrumentos mais triviais (violão, bateria, guitarra, etc).

A trupe, como eles se autodenominam, encheu o teatro de coisas agradáveis, de vontade de cantar, sorrir, dançar e compartilhar daquele discurso que fazia o tal de “mudar o mundo” um negócio muito trivial, quase de foro íntimo, alcançável facilmente, no gesto mais simples de um dia qualquer. Esse astral contaminava uma nação de pessoinhas com cara de colegial ou, no máximo, universitário ainda fedendo a fera. Essa meninada foi um tempero muito especial para o caldo delicioso que se formava ali. Músicas que não tocam na FM, não aparecem no Faustão ou lotam os carrinhos de CDs piratas vendidos nas praias e esquinas. Músicas daquelas em que a compreensão da letra, o entendimento de cada verso, o que o compositor pensou ou sentiu é que cativou o ouvinte. Músicas cujas frases você pode botar em um e-mail, cartão de aniversário ou embalagem de presente que vai para alguém especial. Com todos esses atributos absolutamente extraterrêneos às pessoinhas típicas que já citei em outro texto (Estou Ficando Velho), o som dos vocais da banda estavam inundados por um coro muito animado, de uma turminha que pulava e cantava em quase transe cada verso, inclusive das poesias, declamadas de vez em quando.

“Por que será tão mais fácil a gente cantar dezenas de vezes na Europa que conseguir espaço em Rio/São Paulo?”

“Baixem nossas músicas da Internet, lá estão os acordes e letras das canções. Nosso CD custa R$5,00 aí fora. Pirateiem, copiem e ofereçam aos amigos. É um crime do bem. Bem mais limpo que a multinacional que vende um DVD por R$65,00 e dá centavos ao artista.”

“Errado é aquele que fala correto e não vive o que diz”.

Com esses e outros discursos pela arte independente, muitos elementos circenses como trapezistas, meninas penduradas em performances naquelas longas tiras de pano, malabares, os scratches modelo hip hop, o permanente culto à expressão artística mais pura, fora do circuito zilionário, fazendo até militância por software livre, a trupe lembrou muito claramente o que é (ou deveria ser) o significado de ser artista. Entre forrós, baladas, maracatus, rocks, HCs, música eletrônica e tudo de mais um pouco, fomos banhados de tudo que é bom. Música boa, poesia boa, idéias boas e uma gente cheia das melhores qualidades humanas.

Não sei se pela surpresa, não sei se pela redescoberta de seres pensantes entre os 15 e 25 anos, ou pela certeza renovada que tudo, tudo vai dar pé, com que deixei o teatro. Talvez porque o site deles não é .com (www.oteatromagico.mus.br), talvez porque com muita verdade eles anunciam os motoristas do ônibus com a mesma consideração que o fazem para o vocalista da banda, ou talvez ainda por parecerem ser pessoas tão simples que se tornam especiais. Provavelmente por tudo isso junto, eu saí de lá inebriado, doidinho para falar sobre eles. Dizer que são únicos, originais, são muito bons no que fazem e são, sobretudo, gente do bem.

A trupe do Teatro Mágico não poderia ser adjetivada de outra forma. Eles são mágicos mesmo.

Contexto :
Maio de 2007. Depois de semanas de comentários e de dar carona a Rebeca quando ia para o show em Recife, fui ao teatro do SESC assistir ao show do grupo de Osasco-SP, chamado Teatro Mágico. Foi um daqueles shows que, assim como Mestre Ambrósio, Atônio Madureira ou o Rappa, não dá para contar, você tem que ver para entender por quê é tão bom.

Thursday, April 26, 2007

Uma cervejinha

Texto...

Fui assistir ao jogo na casa de uns amigos, tomando uma cervejinha, esticamos até o início da noite.

Saí do trabalho, encontrei a galera que tinha marcado, tomamos uma cervejinha, botamos o papo em dia. Foi muito legal.

Acabou o futebol ontem, a gente ficou tomando uma cervejinha e conversando besteira até meio-dia.

Ontem no show, perdi o freio. Tomei uma cachaça gigante, apaguei som e imagem. Foi demais. Peeeeense numa ressaca!

Nada mais normal que essas histórias. Nada mais trivial, banal, comum, absolutamente inerente aos mortais, programas como esses.

Eu não sei o que me incomoda mais, se é a naturalidade com que as pessoas conduzem amigos, parentes, namorados ou esposas, embriagados pelos bares, corredores de casa, boates ou casas de show, ou se é o espanto com que essas mesmas pessoas reagem, por exemplo, de frente para um cigarro de maconha.

Eu considero a complacência ao álcool um dos mais perfeitos inconscientes coletivos já criados na civilização ocidental. Eu chamo aqui de “inconsciente coletivo” aquilo que é verdade e que todo mundo proclama e aceita, simplesmente porque é verdade e todo mundo proclama e aceita. São aquelas regras pronunciadas sem sujeito, do tipo “não se vai para um aniversário calçando uma sandália de dedo, né?” Ou “O cara casado, pai de dois filhos não vai pra show de axé sambar como um louco, certo?” etc. É aquele tipo de comportamento que os bois lá de traz têm quando são tocados no pasto. Eles só vão naquele caminho porque os bois lá da frente também estão indo. É realmente um fenômeno extraordinário como se conseguiu tirar das pessoas toda a capacidade de pensamento racional, e se mantêm as histórias envolvendo bebida e embriaguez no campo do engraçado e irreverente.

Não tenho nada contra quem bebe. Bebo, também gosto de beber e da sensação que a embriaguez dá. O que incomoda são as diversas dimensões de tragédias associadas ao consumo de álcool que são totalmente ignoradas, quando ouvimos conversas engraçadas e irreverentes sobre bêbados e bebidas.

Álcool é um problema de saúde pública, porque lota hospitais para tratamento de urgência (glicose) e clínicas de reabilitação, gerando gastos astronômicos no sistema público de saúde. Ainda na saúde pública, álcool manda para hospitais e delegacias semanalmente centenas de pessoas vítimas/autores de lesões corporais, surgidas em brigas após embriagues. Álcool povoa as salas de cirurgia todos os finais de semana, por acidentes envolvendo motoristas e/ou pedestres embriagados.

Álcool é um problema familiar terrível. Tudo de ruim que aparece como estatística nas análises referentes à saúde pública se multiplica, ganha tons de tragédia, quando convividos no particular. Filhos traumatizados, com medo e horror aos pais. Famílias destruídas, pessoas desempregadas, decadentes, com histórias pesadíssimas de violência e todas as modalidades de desrespeito que o ser humano é capaz de produzir.

Álcool faz pessoas maravilhosas se tornarem violentas e descontroladas. Faz namorados dóceis e carinhosos se tornarem hostis e desrespeitosos. Faz velhos amigos saírem na tapa. Ambientes de perfeita paz e celebração se transformarem em pandemônio. Como? Alguém contando a história vai responder: foi cachaça demais. Só isso.

Eu conheço um sem número de pessoas incríveis que são capazes de se tornar criaturas horrorosas, ou até desprezíveis. E a fronteira entre os dois seres é certa quantidade de álcool ingerida.

E sabe o que me deixa mais impressionado? A certeza que dez entre dez pessoas que leram as linhas acima o fizeram pensando “é mesmo...”, e lembrando de alguém ou algum caso exatamente igual ao que foi descrito. Eu não lembro uma única pessoa que não tenha um caso triste para contar envolvendo bebida, e com gente muito próxima.

Se estivéssemos tratando de seres inteligentes, com capacidade de raciocínio e discernimento, seria óbvio que esses seres não achassem nada de engraçado ou irreverente em histórias envolvendo bêbados e bebidas, não é verdade? Mas sexta-feira, antes do meu futebol, terá uma palestra sobre as cachaças tomadas, os impropérios cometidos, os problemas causados, e, tenha certeza, a platéia vai estar sorrido e se divertindo.

A questão não é demonizar a bebida alcoólica. Não é discurso evangélico, de purificação do corpo (viva o cão!). É apenas um pedido de coerência a todo mudo. O mínimo que se deve fazer, como seres inteligentes que somos (?), é quando partir para o álcool, beber freqüentemente, oferecer bebida a um amigo ou parente que nunca bebeu, etc., é levar no coração o mesmo medo da AIDS que teríamos transando com parceiro desconhecido sem camisinha, por exemplo. Com a mesma precaução que se teria ao provar ou oferecer um cigarro de maconha. O peso na consciência que teríamos ao pedir para experimentar ou sugerir a alguém que comece a fumar esses cigarros comerciais, com foto de gente morrendo. Claro que nada disso implica em morte certa, mas significa um perigo terrível que precisa ser reconhecido.

Aí sim, é atitude e raciocínio de um ser inteligente. Ou, pelo menos, coerente.

Contexto

Abril de 2007. Pelo menos uma vez por semana me deparo com alguma situação que me recuso a fazer, pensar, reagir como todo mundo. Principalmente porque nesses casos "todo mundo" é incapaz de justificar porque seria certo fazer assim ou assado. É o tal do "incosciente coletivo" (ou burrice coletiva?). Um dos exemplos mais claros desse inconsciente é a diferença de gravidade atribuída a esses dois adjetivos: cachaceiro e maconheiro.
Essa semana saiu uma lei definido uma política pública para tratar do problema do alcool. Aí eu resolvi transforma esse meu recorrente tema de mesa de bar em um texto.