Questões que me atormentam...

Thursday, April 26, 2007

Uma cervejinha

Texto...

Fui assistir ao jogo na casa de uns amigos, tomando uma cervejinha, esticamos até o início da noite.

Saí do trabalho, encontrei a galera que tinha marcado, tomamos uma cervejinha, botamos o papo em dia. Foi muito legal.

Acabou o futebol ontem, a gente ficou tomando uma cervejinha e conversando besteira até meio-dia.

Ontem no show, perdi o freio. Tomei uma cachaça gigante, apaguei som e imagem. Foi demais. Peeeeense numa ressaca!

Nada mais normal que essas histórias. Nada mais trivial, banal, comum, absolutamente inerente aos mortais, programas como esses.

Eu não sei o que me incomoda mais, se é a naturalidade com que as pessoas conduzem amigos, parentes, namorados ou esposas, embriagados pelos bares, corredores de casa, boates ou casas de show, ou se é o espanto com que essas mesmas pessoas reagem, por exemplo, de frente para um cigarro de maconha.

Eu considero a complacência ao álcool um dos mais perfeitos inconscientes coletivos já criados na civilização ocidental. Eu chamo aqui de “inconsciente coletivo” aquilo que é verdade e que todo mundo proclama e aceita, simplesmente porque é verdade e todo mundo proclama e aceita. São aquelas regras pronunciadas sem sujeito, do tipo “não se vai para um aniversário calçando uma sandália de dedo, né?” Ou “O cara casado, pai de dois filhos não vai pra show de axé sambar como um louco, certo?” etc. É aquele tipo de comportamento que os bois lá de traz têm quando são tocados no pasto. Eles só vão naquele caminho porque os bois lá da frente também estão indo. É realmente um fenômeno extraordinário como se conseguiu tirar das pessoas toda a capacidade de pensamento racional, e se mantêm as histórias envolvendo bebida e embriaguez no campo do engraçado e irreverente.

Não tenho nada contra quem bebe. Bebo, também gosto de beber e da sensação que a embriaguez dá. O que incomoda são as diversas dimensões de tragédias associadas ao consumo de álcool que são totalmente ignoradas, quando ouvimos conversas engraçadas e irreverentes sobre bêbados e bebidas.

Álcool é um problema de saúde pública, porque lota hospitais para tratamento de urgência (glicose) e clínicas de reabilitação, gerando gastos astronômicos no sistema público de saúde. Ainda na saúde pública, álcool manda para hospitais e delegacias semanalmente centenas de pessoas vítimas/autores de lesões corporais, surgidas em brigas após embriagues. Álcool povoa as salas de cirurgia todos os finais de semana, por acidentes envolvendo motoristas e/ou pedestres embriagados.

Álcool é um problema familiar terrível. Tudo de ruim que aparece como estatística nas análises referentes à saúde pública se multiplica, ganha tons de tragédia, quando convividos no particular. Filhos traumatizados, com medo e horror aos pais. Famílias destruídas, pessoas desempregadas, decadentes, com histórias pesadíssimas de violência e todas as modalidades de desrespeito que o ser humano é capaz de produzir.

Álcool faz pessoas maravilhosas se tornarem violentas e descontroladas. Faz namorados dóceis e carinhosos se tornarem hostis e desrespeitosos. Faz velhos amigos saírem na tapa. Ambientes de perfeita paz e celebração se transformarem em pandemônio. Como? Alguém contando a história vai responder: foi cachaça demais. Só isso.

Eu conheço um sem número de pessoas incríveis que são capazes de se tornar criaturas horrorosas, ou até desprezíveis. E a fronteira entre os dois seres é certa quantidade de álcool ingerida.

E sabe o que me deixa mais impressionado? A certeza que dez entre dez pessoas que leram as linhas acima o fizeram pensando “é mesmo...”, e lembrando de alguém ou algum caso exatamente igual ao que foi descrito. Eu não lembro uma única pessoa que não tenha um caso triste para contar envolvendo bebida, e com gente muito próxima.

Se estivéssemos tratando de seres inteligentes, com capacidade de raciocínio e discernimento, seria óbvio que esses seres não achassem nada de engraçado ou irreverente em histórias envolvendo bêbados e bebidas, não é verdade? Mas sexta-feira, antes do meu futebol, terá uma palestra sobre as cachaças tomadas, os impropérios cometidos, os problemas causados, e, tenha certeza, a platéia vai estar sorrido e se divertindo.

A questão não é demonizar a bebida alcoólica. Não é discurso evangélico, de purificação do corpo (viva o cão!). É apenas um pedido de coerência a todo mudo. O mínimo que se deve fazer, como seres inteligentes que somos (?), é quando partir para o álcool, beber freqüentemente, oferecer bebida a um amigo ou parente que nunca bebeu, etc., é levar no coração o mesmo medo da AIDS que teríamos transando com parceiro desconhecido sem camisinha, por exemplo. Com a mesma precaução que se teria ao provar ou oferecer um cigarro de maconha. O peso na consciência que teríamos ao pedir para experimentar ou sugerir a alguém que comece a fumar esses cigarros comerciais, com foto de gente morrendo. Claro que nada disso implica em morte certa, mas significa um perigo terrível que precisa ser reconhecido.

Aí sim, é atitude e raciocínio de um ser inteligente. Ou, pelo menos, coerente.

Contexto

Abril de 2007. Pelo menos uma vez por semana me deparo com alguma situação que me recuso a fazer, pensar, reagir como todo mundo. Principalmente porque nesses casos "todo mundo" é incapaz de justificar porque seria certo fazer assim ou assado. É o tal do "incosciente coletivo" (ou burrice coletiva?). Um dos exemplos mais claros desse inconsciente é a diferença de gravidade atribuída a esses dois adjetivos: cachaceiro e maconheiro.
Essa semana saiu uma lei definido uma política pública para tratar do problema do alcool. Aí eu resolvi transforma esse meu recorrente tema de mesa de bar em um texto.



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