Questões que me atormentam...

Tuesday, November 07, 2006

Sejamos amenos

Contexto :


Maio de 2005. De tanto ser chamado de “radical”, resolvi registrar essas idéias e sentimentos que, réu confesso, assumo esse rótulo com tranqüilidade e alívio. Mais que isso, recomendo-o fortemente, para quem estiver disposto a ser muito mais que um dente na engrenagem, mais um tijolo no muro.



Texto...

Vamos viver na superfície. Fazer, pensar e sentir tudo que se possa ser capaz, desde que não se adentre a um palmo de profundidade. Vamos assistir a filmes bobinhos, comédias românticas, "Uma Linda Mulher" e "Notting Hill", ah que delícia... Vamos manter conversas no repertório Leão Lobo, falar de coisas que durem segundos, que não impliquem em nada, que não precisem de qualquer esforço de raciocínio ou memória. São inúmeros os assuntos que podemos manter nessa linha, são quase todos temas das conversas que temos tido ultimamente, tanto da porta para dentro, como para fora de casa.

Não me venha com papo-cabeça, porque papo já ta dizendo, não é para usar a cabeça, é só para falar, falar, falar. Ninguém vai resolver os problemas do país numa mesa de bar, ninguém vai mudar o mundo no terraço de casa, então para que conversar essas coisas complicadas, macro-economia, Lula e Chavez, corrupção, homossexualidade, relação pai-filho, eleição na Câmara e votação no Congresso? Para que abrir o debate sobre as coisas que chamamos de normal, discutir se são mesmo normais, quem determinou que se tornassem normal e quem fará deixá-las de ser ? Para que isso? Deixar de rir com as piadas do Casseta, as fofocas das novelas, as polêmicas do momento, para se jogar numa prosa que vai deixar todo mundo de testa enrrugada, sem certeza se a próxima frase que falará está correta, ou mesmo se terá uma próxima frase para falar. Para que correr o risco de sair da mesa encasquetado com a conversa, intrigado com algumas coisas que ouviu, ruminando até mais tarde no travesseiro? Afinal a idéia era só se divertir, e não ficar encasquetado com aquele papo de maluco até mais tarde, se virando no travesseiro.

Sem essa de filme profundo, confuso, escuro, lento e sobre gente como a gente. Quero daqueles que "quando nascemos fomos programados" para gostar. Muita explosão, gente linda, super-homens e, principalmente, final feliz, afinal quem gosta de gente feia e tristeza? Quero filme que envolva muito, mas muito figurante mesmo. Se tiver na base de milhares é o ideal. Agora então que a técnica copia-cola serve para aumentar os elencos, quero ver batalha de 50 mil pessoas, desfiles de 100 mil e por aí vai. É fundamental um herói, que se for do presente deve ser descolado, marombado e monosilábico, se for do passado, grosserão e destemido. Se tiver um enredo a ser compreendido, que seja narrado e destrinchado nos diálogos dos personagens. Não deixem nada para eu deduzir, porque não se vai ao cinema para pensar, não é mesmo? Quero filmes que, falando sobre eles, sempre me referirei àquela imagem (ou seqüência), nunca àquele diálogo. O começo deve ser lento e explicativo. O meio tem que ser um pouco instável, com duas ou três possibilidades de desfecho, desde que a mais paz-e-amor delas seja concretizada, porque está na bíblia da telona: "no final dá tudo certo, se não der certo é porque não é o final ainda".

Por favor, não traga música que me obrigue a prestar atenção na letra, porque música é para se ouvir, não para entender. Tem que ser animada, daquelas que "bombam na balada". Tem que ser para consumir em altíssimo volume, de preferência na mala aberta de um carro que encostou no bar de ré e mostrou potência, com seu repertório perfeito para uma festa no meu AP, estrelando Calipso e Psirico. Música tem a função social de animar festa, quando a gente escuta em casa é porque quer sentir um gostinho daquela animação que só as festas têm. Aquelas com gente falando baixinho, com dois ou três instrumentos, chegando ao absurdo de se apresentar em show com menos de 25 pessoas no palco, é para quem quer entrar em depressão. Se quiser curtir música, curtindo mesmo, tem que do repertório disponível nos camelôs, com aquelas capas desbotadas.

Livros, nem pensar. Nem Paulo Coelho, ou o último guia de como fazer qualquer coisa em tantos dias. Livro basta os da escola. Podem até ser bonitinho na estante, mas no meu colo, por horas, páginas e páginas sem uma imagem, é o veneno perfeito para quem quer morrer de tédio.

Teatro, tenha paciência! Se não for comédia, é coisa de viado. Quando não, é viado fazendo comédia.

Pois é. Embora ninguém tenha o despudor para falar assim, na verdade, lá no fundo mesmo, está cada vez mais difícil encontrar quem não se enquadre nesses perfis, condenando a morte a inteligência e uma inesgotável capacidade de nos emocionar que carregamos. Mas que mal tem isso? Se o importante da vida é ser feliz, não interessa se será ouvindo Calipso ou Cordel do Fogo Encantado?

Na verdade diria que tem todo mal do mundo, pelo desperdício diário que poderá fazer-nos no máximo passar pela vida contentes, em vez de vivê-la na plenitude, extrema e radicalmente felizes.

Imagine um cego assistindo àquela antológica cena dos alunos sobre as carteiras, em Sociedade dos Poetas Mortos. Imagine um surdo no Maracanã lotado, com 100 mil pessoas cantando o hino do clube campeão. Imagine um daltônico diante dos quadros de Van Ghog, ou um nariz congestionado aspirando um saco de pão quentinho. Perceba que preciosas oportunidades de se ter a vida em overdose, na dose que ela sempre é capaz de se oferecer, que se estaria jogando fora. Imagine um dos quinze beijos que um “pegador” conseguiu numa tarde de carnaval e compare com o beijo de Jack Dawson e Rose, naquele carro de vidro embassado, no Titanic. Compare a sua alegria e a de Heloisa Helena em ver um homem do povo eleito presidente. Quem curte mais a música, você que tem um AP onde poderia haver uma festa, ou o menino do mangue, ouvindo Chico Science falando das paredes do seu quintal?

Talvez assim a gente se disponha a correr o risco de se aprofundar, de "ser radical" uma vez por outra, respirar fundo e dar várias pernadas e braçadas rumo ao fundo, sem sentir saudades da tranqüilidade da superfície. O risco do mergulho é um preço muito pequeno a se pagar para ver os meninos de pé nas carteiras, ouvir um Maracanã lotado, cheirar pão quentinho (hummmm), ver cada detalhe de Van Gogh, amar como Jack e Rose e, ouvindo Chico Science, chorar com Heloisa Helena indignada.

Para isso é preciso que vejamos também filme europeu, latino-americano, iraniano, seja lá de onde for, para que pelo menos corramos o risco de entrarmos no cinema uma pessoa X e sairmos Y, mais informada, mais sensível, mais compreensiva, mais inteligente, mais qualquer coisas, desde que não fiquemos os mesmos (ou menos) que entramos.

É preciso de vez em quando, de preferência mais em quando que de vez, ouvir música de gente que quer, antes de ficar milionário e cantar no Faustão, fazer música. Ouvir gente do bairro, da sua cidade, que resolveu botar um violão nas costas e viver de música, falando das coisas que tornam, ou pelo menos deveriam tornar, o ser humano uma espécie superior, especial.

Leiamos. Qualquer coisa, seja lá o que for, de out-door a romance. Mas que tragamos para o cotidiano esse hábito enriquecedor e libertador. Segundo Milton, um vaqueiro que conheci no interior do interior, quem lê pode domar o mundo.

É preciso que você vá ao teatro e, por favor, me chame.

Vamos falar qualquer dia sobre coisas intrigantes, que não tenhamos respostas, nem clichês prontos para cada frase. Aqueles papos do tipo que a gente suspirar e conclui: puts! Nunca tinha pensado sobre isso, sabia?

Vamos viver na plenitude, explorar nossas potencialidades, usar pelo menos 10% dos 10% que dispomos da nossa cabeça animal. Vamos chorar, gargalhar, nos indignar, nos aprofundar em todas as emoções e idéias que estejam ao nosso alcance. Não temamos o risco de ser o chato da roda, de ficar deslocado nela, porque do jeito que ela anda, tão vazia, tão pouquinha, vivendo um dia atrás do outro, tudo igual, igual, igual... faz muito mais medo conseguir se misturar facilmente.

Comecemos a quebrar o paradigma dominante, em que música, TV, cinema, teatro, etc são meros meios de entretenimento, pura diversão, veja-ria-esqueça, para que não nos mantenhamos como um rebanho divertidamente entretido, sorridente, enquanto a vida, aquela intensa, que remete a sangue pulsando na veia, vai passando, passando...

Morri.

1 Comments:

  • Acredito que exista uma super-valorização dessas coisas "cabeça"...de mergulhar em aspectos profundos da vida sem ao menos assistir um filme de "kickbox-que-vai-fazer-justiça-ao-amigo-morto-pelo-vilão-kickboxer".
    Eu pessoalmente adoro os clichês. São eles que nos colocam em pé de igualdade, que tocam todas as pessoas (até por isso viram clichês).
    Pena que a vida não é um clichê..as vezes você tem de pensar um pouco (senão, pra que existir?).

    By Blogger José Antonio Leal de Farias, at 6:08 AM  

Post a Comment

<< Home