Questões que me atormentam...

Tuesday, February 12, 2008

Compra! Compra! Compra!

Eu me encontrava a uns milhares de kilômetros de casa, quando liguei para Mi dizendo que um evento que se repete cerca de duas ou três vezes por ano estava em pleno curso: eu estava muito tentado em fazer uma compra. A alegria que ela ouvia a narração era provavelmente pela raridade do fenômeno e, com aquela voz incisiva que ela sabe fazer pra botar pressão, gritava do outro lado da linha “Compra!”, a cada frase que eu falava . Eu morria de rir pelo entusiasmo dela e, mais que tudo, pela forma engraçadíssima de expressá-lo. E entre risadas de cá e gritos de lá, assim seguiu nosso diálogo, eu descrevia o troço que tinha visto e ela gritava “Compa! Compra! Compra!”.

Alguns meses se passaram e com a chegada do natal (que cada ano tem menos a ver com o nascimento de Cristo) eu começo a ouvir aquela voz gigantesca pairando na atmosfera, gritando de cima pra baixo, de maneira mil vezes mais coercitivamente que Milena , Coooooompra.... Coooooompra.... Coooooompra. Essa voz que me reporta a um livro de um italiano, sobre um tal do “Ócio produtivo”, que quando li eu cheguei à conclusão que o pessoal da ecologia pode desistir, porque esse planetinha não tem chance. Ele não emplaca mais um século de jeito nenhum.

O que o italiano descreve é um ciclo criado com a evolução do capitalismo que, em resumo, não tem outra, só para quando a terra estiver um deserto total. O capitalismo em sua evolução tem tido como característica motriz e intrínseca o desenvolvimento tecnológico. Ora, o que ele faz com esse desenvolvimento que alcança? Consegue produzir mais, em maior escala, em menor tempo. São revoluções em cima de revoluções, todas a serviço da engrenagem produtiva. O resultado disso é a necessidade constante de um esforço equivalente para criar consumidores para essa produção. Veja, por exemplo, a definição da atividade de Marketing, que a economia capitalista respira 24h por dia. A priori se confundia com propaganda, que dava visibilidade a um produto, de maneira que quem necessitava dele ficava sabendo que ele existia e partia para adquiri-lo. Com o aumento exponencial da produção, o bem produzido não pode mais esperar pela descoberta por parte do consumidor, por isso o Marketing não mais identifica necessidades para bolar produtos, o Marketing agora cria necessidades para que possam dar vazão ao que está sendo produzido.

Quando você se perguntar “como se vivia sem tv por assinatura?” ou “Como os pés aguentavam calçar aqueles tênis?” ou “O povo tinha carro sem air bag e sem freio ABS?!” ou “Como é que eu alguém podia passa sem MP3 player?” etc., a resposta é muito simples: eram muito felizes. Eles não tinham sido pegos pelo tal do Marketing. Só que agora, depois de pegos, a gente preciiiiisa disso.

Ou seja, essa produção desenfreada gerou a necessidade de criação de uma sociedade que consome sem freio também. Daí meu filho mais velho, que tem menos de três anos, não exita em expressar cada vontade que lhe dá na cabeça com a frase “vou comprar um qualquercoisadessa pra mim”. Já pensou? Com menos de três anos, já americanóide, ele captou que a solução para suas necessidades é comprar.

Perceba que chegamos a um degrau a menos na escala de grandeza da espécie. Descemos do topo do pódio quando deixamos de ser pessoas cuja razão de existir era SER (feliz, pai, mãe, doutor, culto, cristão, amado, inteligente, etc) e passamos a seres que vivem para TER(grana, posição, imóvel, carro, parafernalha eletrônica, etc.) De uns anos para cá, demos mais um salto pra baixo. A razão dos nossos dias agora não é mais ter, é o mero e efêmero momento de compra. Passado aquele momento, passado um pouco mais ou um pouco menos, dependendo do quanto aquilo está na moda, ou no máximo custou pra adquirir, o prazer de ter se esvai. Quer a prova?

Dê uma olhada dentro de casa, no guarda-roupa, na área de serviço, e veja quantas coisas estão amontoadas, completamente esquecidas, coisas que algum tempo atrás lhe deram enorme prazer de tê-las, ou pelo menos de comprá-las. Para cada uma delas, o que aconteceu foi um fenômeno que meu amigo Bruno descreve ironicamente como “o capitalismo lhe pegou!”. Chegou em casa com um troço que acabou de comprar e já está arrependido? O capitalismo lhe pegou, amigo. Entrou na padaria pra compra bolo e saiu com sorvete, pizza, pilha e chiclete que estava pendurado perto do caixa? O capitalismo lhe pegou. Não gostava ou precisava de algo, que lhe era indiferente e, de tanta gente ao seu lado usando, foi lhe dando vontade de ter um e agora está doido pra comprar? Hiiii, o capitalismo lhe pegou.

Se você reparar, todos os dias produtos, serviços, modas, itens candidatos a se tornarem indispensáveis estão pulando em cima da gente. Seja em comerciais hipinotizantes, em prateleiras de supermercado que praticamente jogam produtos em quem passa ou, claro, nas inúmeras pessoas que estão ao seu lado que já foram pegas e tentam lhe convencer de todas as formas que você precisa ser pego pelo capitalismo para ser feliz.

E ai daquele que tentar resistir. Eu tenho até pena desse coitado, porque tem só tem um destino pra ele: que é ser julgado e condenado pelo crime da resistência. Aí vai ter que andar por aí com um carimbo na testa dizendo solenemente “esse cara é um tremendo chato/esquisito/revoltado/radical/metido”.

Portanto, já sabe, certo? Neste natal não raciocine, não analise, não pense, não pondere, não pergunte se precisa, não calcule se pode, não bote dificuldades, não resista, pelo amor de deus não complique:

COMPRA! COMPRA! COMPRA!

Natal de 2007. Vi no jornal uma daquelas cenas de uma grande loja abrindo suas portas e sendo invadida por uma multidão ensandecida, que esperava desde a madrugada, como numa largade de maratona, correndo em direção aos produtos em promoção. Aquilo foi como um símbolo de uma espécie que pode ser tanto, mas que tem sido tão pouco. Como já de costume, peguei um monte de idéias que pairam no meu juízo resolvi registrar.

1 Comments:

  • Muito bom Guga!!
    Estava andando pelos meus emails e parei pra ler as mensagens de seu blog.
    Adorei a frase de seu filho: "vou comprar um qualquercoisadessa pra mim"
    Hehehhehehe

    By Blogger Unknown, at 10:29 AM  

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