Questões que me atormentam...

Tuesday, February 12, 2008

“Desenha um carneiro pra mim?”

“Filhos? melhor não tê-los! Mas se não tê-los, como sabê-los?”

Genial esse Vinícius. Genial de novo. Sempre achei o verso a síntese mais perfeita dessa dúvida que, pelo menos um dia, paira em toda cabeça adulta entre o Alasca e a Antártida.

A tradução em prosa dela eu passei a infância e adolescência ouvindo em casa: só quem tem filho é que sabe o que é ter filho. Isso pra mim sempre foi uma verdade cristalina, e baseado nela eu decidi que teria, porque com a vontade que tenho de experimentar a vida na maior amplitude e profundidade possíveis, não ter filho significaria abrir mão de quase a metade das experiências humanas disponíveis no planeta. Definitivamente, eu não ficaria sem uma fatia desse tamanho do tal negócio chamado viver.

Agora que tenho, ganhei uma nova certeza. Além de só quem sabe o que é ter filho é quem tenho, eu estou 110% convicto que só quem tem é que sabe o tamanho exato dessa verdade. Eu sabia disso na adolescência, mas acontece que agora o “eu sei disso” está multiplicado por pelo menos por cem. Eu vou tentar expressar a seguir como eu sei dessa verdade hoje. Pena que, ironicamente, não tenho dúvida que só quem tem filho vai conseguir captar exatamente o que estou contando.

Crianças passam por várias fases e cada uma é encantadora ao seu modo. Quanto mais ela consegue se comunicar, mais prazeroso se torna o processo de der pai, e além do mais que essa evolução da comunicação ocorre ao mesmo tempo da diminuição do trabalho físico que os pequenos lhe demandam. Ou seja, todo dia ele se torna um ser mais interativo e menos cansativo.

Então, com dois anos ele já fala e repete tudo que você pedir para ele repetir. Nesse momento eles são um brinquedinho maravilhoso. Você diz uma frase e ele prontamente pronuncia até com a mesma entonação que você falou. Daí você lança declarações de amor ao pai e ele, na hora, diz aquelas coisas lindas que, mesmo com essa forçada de barra, lhe fazem babar. Mandar eles dizerem palavrão então é uma delícia. Com a mais cândida das purezas, eles olham sorrindo e largam: “agora fodeu!”.

Foi nessa idade de dois anos, dois anos e pouco, que eu assisti ao Pequeno Príncipe com Antônio. Assisti e tomei uma séria de surpresas. A primeira delas é que daquela idade ele parou por quase duas horas na frente da tela para ver um musical, falado em português, mas cantado em inglês, em um formato completamente diferente dos desenhos animados que conseguiam prender a atenção dele por mais de dez minutos até então. A surpresa seguinte foi ele me pedir várias vezes dias depois para assistir ao “Pequeno Piiinpe”, em detrimento do arsenal de Relâmpago Macqueen e Backyardingans que ele já dispunha. Aquilo me renovou a fé na humanidade, sabe? Olha aí, ainda há quem prefira Saint-Exupéry em pleno 2008! E em plena fase do “papai-fala-eu-repito”, o Pequenorinha na porta do Príncipe continuou por alguns meses sucesso absoluto de bilheteria lá em casa.

O que eu não imaginava é que aquele filme faria uma marca definitiva na minha memória, para o resto da vida, pela forma inesquecível que Antônio migrou da frase “papai-fala-eu-repito” para a fase “agora-eu-tenho-frases-próprias”.

Um dia, eu estava deitado na cama com o controle remoto na mão, canal pra cima, canal pra baixo, quando apareceu uma figurinha na porta do quarto, com uma toalha de criança envolvendo o corpo, capus branco na cabeça, carregando um pedaço de pau na mão, uma cara muito tristonha e repetindo uma frase inicialmente incrompreensível: zenha nerinhamim, zenha nerinhamim, zenha nerinhoamim...

A minha inicial foi uma expressão de sorriso amarelo, misturado com “que porra é essa?”, onde eu fazia um esforço concentrado para traduzir aquela frase, como a gente faz em uma prova de listenning no curso de inglês.

Na quarta ou quinta vez que ele repetiu, finalmente eu saquei!

Em um estalo, aquela cena bizarra se transformou em uma das mais gostosas alegrias que senti nessa experiência de ser pai, De repente, eu captei que Antônio imitava uma cena marcante do Pequeno Príncipe, em que o príncipe loirinho aparece pela primeira vez, surgindo do nada no meio do deserto, pedindo repetidamente ao aviador acidentado: “desenha um carneirinho pra mim?” “desenha um carneirinho pra mim?” “desenha um carneirinho pra mim?”...

Ninguém pediu pra ele dizer aquilo. Foi a primeira frase “inventada” por Antônio. E como ela veio com performance, figurino e tudo, se tornou em um momento muito intenso e especial. Momento daqueles que por mais que eu tente detalhar, só quem tem filhos vai saber exatamente do que eu estou falando.

Agora, quem não tem, se chegar a ter um dia, pode estar certo que em uma hora qualquer, no meio de um dia banal, vai passar por alguma que vai fazê-lo sorrir, lembrar do poema de Vinícius e dizer:

Filho da mãe!

Contexto:

Isso aconteceu no meio do ano de 2007. Mas só agora parei para escrever.

Clique aqui para ver a cena citada no texto


2 Comments:

  • This comment has been removed by the author.

    By Blogger Daniel Fireman, at 6:30 PM  

  • Putz .. vou para de comentar seus textos Guga, eu to ficando tudo muito repetitivo. O melhor de tudo eh que imagino Toim dizendo isso, muito massa mesmo. Infelizmente ainda nao conheco Andrezim ... Mas em breve espero conhece-lo.

    Abracao e continua escrevendo!

    By Blogger Daniel Fireman, at 6:32 PM  

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